É com muita alegria que inauguro minha colaboração para o Make 4 kids. Eu e
Cláudia somos amigas desde a adolescência, portanto nos acompanhamos há muitos
anos, que – de verdade – nem convém informá-los aqui. Sim, queridos leitores:
somos balzaquianas, com muito orgulho.
Advogada por formação, atuo na cidade de Araras/SP,
tendo o Direito de Família como área preferida. Atuo também como advogada do
Programa CrianSaúde, cuidando dos contratos e do controle financeiro. Sou
também palestrante do Projeto Amar é Amamentar, que incentiva o aleitamento
materno, onde falo sobre direitos da maternidade em geral e também sobre o
histórico da amamentação no Brasil.
Ah, e vou ser mãe pela primeira vez: Pedro chega em
setembro.
Fui, assim, convidada para colaborar com o blog,
sentindo-me honrada por participar dessa troca de saberes, que muito nos
engrandece como seres humanos, mães, pais e profissionais.
Por favor, enviem sugestões de
assuntos!
Para começar, vou falar um pouco sobre a amamentação
num contexto histórico. O conteúdo das informações é de um estudo científico de
João Aprigio Guerra de Almeida e Franz Reis Novak (de Almeida JAG, Novak FR.
Amamentação: um híbrido natureza-cultura. J Pediatr (Rio J). 2004;80(5
Supl):S119-S125.):
O Brasil apresenta, de modo geral, a cultura do
desmame precoce, ou seja, as mães desistem do aleitamento logo nos primeiros
meses de vida dos bebês. Verificando essa situação, foram realizadas pesquisas
para entender o fenômeno, pois, de modo paradoxal, parece que quanto mais
vantagens da amamentação são descobertas pela ciência e difundidas na
sociedade, menos são suficientes para garantir a assimilação de valores
culturais capazes de reverter a tendência ao desmame.
Foram então construídas algumas verdades:
O desmame tem caráter multicausal: mudança da
estrutura familiar na sociedade moderna urbana, as mães não tem mais o apoio e
incentivo dos parentes mais velhos, que eram verdadeiros facilitadores do
aleitamento e, ouvindo as mulheres, o leite fraco ou pouco leite é o principal
fator explicativo.
Buscando informações remotas, tem-se que o Brasil
importou a cultura do desmame: nossa colonização é europeia. E os portugueses
que aqui desembarcaram vinham de uma elite que, apesar de considerar o ato de
amamentar das índias algo natural e instintivo, também o considerava algo
impróprio para o homem civilizado. As mães europeias traziam os hábitos e
costumes da cultura de sua pátria, onde o amor materno não era visto como valor
social e moral, de tal maneira que a amamentação era considerada uma tarefa
indigna para uma dama, cabendo às camponesas da periferia (chamadas de saloias) o aleitamento dos
filhos.
E aqui, diferentemente, as índias amamentavam os
filhos até os 2 anos de idade, sendo que o desmame era natural e gradativo, de
acordo com o hábito alimentar da família. Na fase de colo, costumavam ofertar
aos filhos uma massa de grãos de milho, mas não estimulavam o apetite:
colocavam nas mãos do bebê, que decidia levar ou não aquilo à boca.
Nesse período, vale destacar que os relatos de
desnutrição e mortalidade entre lactentes indígenas brasileiros só passaram a
existir a partir da ampliação da convivência com os brancos. E o desmame
ocorria somente nessas situações: doença grave ou morte da mãe, situações que a
criança era considerada indesejável (quando era filha de inimigos com mulheres
da tribo ou quando as índias mantinham relações sexuais com mais de um
parceiro).
Dessa forma, o aleitamento era regra entre os índios,
mudando com a chegada dos descobridores, que trouxeram em sua bagagem cultural
o hábito do desmame. As índias cunhãs foram as primeiras versões das saloias, substituídas pelas escravas
africanas e depois pelas amas-de-leite (chamadas de mãe preta de aluguel).
Alguns senhores de escravos diziam que era mais rentável criar negras para
alugar como amas-de-leite do que cultivar café.
Aí, no século 19 veio a chamada medicina higienista,
que, além do corpo físico, se preocupava com a alimentação, condições
ambientais e com o comportamento humano, tudo a buscar soluções para a mortalidade
infantil. Para tanto, foram impostas regras rígidas à família, especialmente à
mulher, que foi considerada o ponto chave para a saúde do filho, por meio da
amamentação exclusiva com leite materno. Havia forte censura ao desmame. A
amamentação era, assim, fator vital para a sobrevida dos filhos, considerada
função natural e dever sagrado, o que deteve as mulheres em casa e minou sua
independência. No entanto, certos grupos de mulheres não conseguiam amamentar
devido ao pouco volume de leite produzido. E para isso a medicina higienista
não tinha explicação, de modo que, para driblar essa crise, o higienismo lançou
na cultura brasileira a figura do leite fraco, amplamente incorporado pelas
mães que não conseguiam amamentar, pois retirava o peso que elas não queriam
assumir do fracasso na amamentação, afinal, se “a saúde do filho dependia do
aleitamento”, não amamentar era também assumir uma incapacidade, sacrificando o
bom desenvolvimento da criança.
Passada a fase do higienismo, veio a urbanização e as transformações
econômicas daí decorrentes. Com ela a mulher passou a ser inserida no mercado
de trabalho e desenvolveu-se a sociedade de consumo, com o surgimento da
mamadeira, então considerada símbolo de modernidade e urbanismo. Nessa época
chegaram ao Brasil os primeiros carregamentos de leite condensado e farinha
láctea. Ora, essa combinação – mamadeira e leite industrializado – cuidou de
incentivar o desmame precoce e foi vista como alternativa para o leite fraco.
Revistas especializadas faziam grandes reportagens sobre o leite
industrializado, incentivando seu consumo e profissionais da saúde eram seus
promotores de venda dentro de hospitais. Tudo isso, aliado ao marketing pesado
das empresas, teve como resultado a absorção total, pelos médicos, da ideia de
que o leite materno devia ser complementado, mesmo em situações que não se
detectava o problema do “leite fraco”. Nesse contexto, até o Estado se rendia
aos programas de distribuição de leite em pó para a população de baixa renda.
Foi nos anos 80 que a preocupação com o desmame
precoce ganhou força, surgindo uma política de incentivo ao aleitamento chamada
de PNIAM (Programa Nacional de Incentivo ao Aleitamento Materno). O PNIAM tinha
como eixo central a amamentação como prática instintiva, biológica e natural,
porém se esquecia dos fatores culturais e de que as mulheres, de acordo com
pesquisa realizada, se manifestavam por um sentimento ambíguo e contraditório,
que oscilava entre o desejo e o fardo, ou seja, mesmo mulheres que acreditam na
amamentação como algo instintivo e biológico percebem limites em sua prática e
precisam desenvolver um aprendizado e habilidades, contar com apoio externo,
ser acolhida e sentir-se segura para bem desempenhar tal papel. Isso evidencia
que amamentar não é assim algo tão instintivo.
Como conclusão, entendo que a mulher deve ser
assistida e acompanhada para desempenhar bem seu novo papel social, de
mulher-mãe-nutriz. Não basta apenas considerar a amamentação como algo
instintivo, biológico e natural. É preciso levar em consideração os fatores de
vida dessa mulher que amamenta, sua história, de sua família, para não criar
aquele sentimento obrigacional pesado, tal como imposto pela medicina
higienista. Amamentar exclusivamente com leite materno é, sem dúvida, importante,
simplesmente pelas propriedade ímpares do leite materno. E não existe leite
fraco. Mas essa escolha é da mulher. Que tal nos sentirmos livres e sem culpa
para essa decisão?
Juliana Furlan
Bovo
Advogada
jbovo@adv.oabsp.org.br