terça-feira, 30 de abril de 2013

Inaugurando o Blog: Histórico da Amamentação no Brasil



É com muita alegria que inauguro minha colaboração para o Make 4 kids. Eu e Cláudia somos amigas desde a adolescência, portanto nos acompanhamos há muitos anos, que – de verdade – nem convém informá-los aqui. Sim, queridos leitores: somos balzaquianas, com muito orgulho.

Advogada por formação, atuo na cidade de Araras/SP, tendo o Direito de Família como área preferida. Atuo também como advogada do Programa CrianSaúde, cuidando dos contratos e do controle financeiro. Sou também palestrante do Projeto Amar é Amamentar, que incentiva o aleitamento materno, onde falo sobre direitos da maternidade em geral e também sobre o histórico da amamentação no Brasil.

Ah, e vou ser mãe pela primeira vez: Pedro chega em setembro.

Fui, assim, convidada para colaborar com o blog, sentindo-me honrada por participar dessa troca de saberes, que muito nos engrandece como seres humanos, mães, pais e profissionais.

Por favor, enviem sugestões de assuntos! 
Para começar, vou falar um pouco sobre a amamentação num contexto histórico. O conteúdo das informações é de um estudo científico de João Aprigio Guerra de Almeida e Franz Reis Novak (de Almeida JAG, Novak FR. Amamentação: um híbrido natureza-cultura. J Pediatr (Rio J). 2004;80(5 Supl):S119-S125.): 
O Brasil apresenta, de modo geral, a cultura do desmame precoce, ou seja, as mães desistem do aleitamento logo nos primeiros meses de vida dos bebês. Verificando essa situação, foram realizadas pesquisas para entender o fenômeno, pois, de modo paradoxal, parece que quanto mais vantagens da amamentação são descobertas pela ciência e difundidas na sociedade, menos são suficientes para garantir a assimilação de valores culturais capazes de reverter a tendência ao desmame.


Foram então construídas algumas verdades:

O desmame tem caráter multicausal: mudança da estrutura familiar na sociedade moderna urbana, as mães não tem mais o apoio e incentivo dos parentes mais velhos, que eram verdadeiros facilitadores do aleitamento e, ouvindo as mulheres, o leite fraco ou pouco leite é o principal fator explicativo.


Buscando informações remotas, tem-se que o Brasil importou a cultura do desmame: nossa colonização é europeia. E os portugueses que aqui desembarcaram vinham de uma elite que, apesar de considerar o ato de amamentar das índias algo natural e instintivo, também o considerava algo impróprio para o homem civilizado. As mães europeias traziam os hábitos e costumes da cultura de sua pátria, onde o amor materno não era visto como valor social e moral, de tal maneira que a amamentação era considerada uma tarefa indigna para uma dama, cabendo às camponesas da periferia (chamadas de saloias) o aleitamento dos filhos.


E aqui, diferentemente, as índias amamentavam os filhos até os 2 anos de idade, sendo que o desmame era natural e gradativo, de acordo com o hábito alimentar da família. Na fase de colo, costumavam ofertar aos filhos uma massa de grãos de milho, mas não estimulavam o apetite: colocavam nas mãos do bebê, que decidia levar ou não aquilo à boca.


Nesse período, vale destacar que os relatos de desnutrição e mortalidade entre lactentes indígenas brasileiros só passaram a existir a partir da ampliação da convivência com os brancos. E o desmame ocorria somente nessas situações: doença grave ou morte da mãe, situações que a criança era considerada indesejável (quando era filha de inimigos com mulheres da tribo ou quando as índias mantinham relações sexuais com mais de um parceiro).


Dessa forma, o aleitamento era regra entre os índios, mudando com a chegada dos descobridores, que trouxeram em sua bagagem cultural o hábito do desmame. As índias cunhãs foram as primeiras versões das saloias, substituídas pelas escravas africanas e depois pelas amas-de-leite (chamadas de mãe preta de aluguel). Alguns senhores de escravos diziam que era mais rentável criar negras para alugar como amas-de-leite do que cultivar café.


Aí, no século 19 veio a chamada medicina higienista, que, além do corpo físico, se preocupava com a alimentação, condições ambientais e com o comportamento humano, tudo a buscar soluções para a mortalidade infantil. Para tanto, foram impostas regras rígidas à família, especialmente à mulher, que foi considerada o ponto chave para a saúde do filho, por meio da amamentação exclusiva com leite materno. Havia forte censura ao desmame. A amamentação era, assim, fator vital para a sobrevida dos filhos, considerada função natural e dever sagrado, o que deteve as mulheres em casa e minou sua independência. No entanto, certos grupos de mulheres não conseguiam amamentar devido ao pouco volume de leite produzido. E para isso a medicina higienista não tinha explicação, de modo que, para driblar essa crise, o higienismo lançou na cultura brasileira a figura do leite fraco, amplamente incorporado pelas mães que não conseguiam amamentar, pois retirava o peso que elas não queriam assumir do fracasso na amamentação, afinal, se “a saúde do filho dependia do aleitamento”, não amamentar era também assumir uma incapacidade, sacrificando o bom desenvolvimento da criança.


Passada a fase do higienismo, veio a urbanização e as transformações econômicas daí decorrentes. Com ela a mulher passou a ser inserida no mercado de trabalho e desenvolveu-se a sociedade de consumo, com o surgimento da mamadeira, então considerada símbolo de modernidade e urbanismo. Nessa época chegaram ao Brasil os primeiros carregamentos de leite condensado e farinha láctea. Ora, essa combinação – mamadeira e leite industrializado – cuidou de incentivar o desmame precoce e foi vista como alternativa para o leite fraco. Revistas especializadas faziam grandes reportagens sobre o leite industrializado, incentivando seu consumo e profissionais da saúde eram seus promotores de venda dentro de hospitais. Tudo isso, aliado ao marketing pesado das empresas, teve como resultado a absorção total, pelos médicos, da ideia de que o leite materno devia ser complementado, mesmo em situações que não se detectava o problema do “leite fraco”. Nesse contexto, até o Estado se rendia aos programas de distribuição de leite em pó para a população de baixa renda.


Foi nos anos 80 que a preocupação com o desmame precoce ganhou força, surgindo uma política de incentivo ao aleitamento chamada de PNIAM (Programa Nacional de Incentivo ao Aleitamento Materno). O PNIAM tinha como eixo central a amamentação como prática instintiva, biológica e natural, porém se esquecia dos fatores culturais e de que as mulheres, de acordo com pesquisa realizada, se manifestavam por um sentimento ambíguo e contraditório, que oscilava entre o desejo e o fardo, ou seja, mesmo mulheres que acreditam na amamentação como algo instintivo e biológico percebem limites em sua prática e precisam desenvolver um aprendizado e habilidades, contar com apoio externo, ser acolhida e sentir-se segura para bem desempenhar tal papel. Isso evidencia que amamentar não é assim algo tão instintivo.


Como conclusão, entendo que a mulher deve ser assistida e acompanhada para desempenhar bem seu novo papel social, de mulher-mãe-nutriz. Não basta apenas considerar a amamentação como algo instintivo, biológico e natural. É preciso levar em consideração os fatores de vida dessa mulher que amamenta, sua história, de sua família, para não criar aquele sentimento obrigacional pesado, tal como imposto pela medicina higienista. Amamentar exclusivamente com leite materno é, sem dúvida, importante, simplesmente pelas propriedade ímpares do leite materno. E não existe leite fraco. Mas essa escolha é da mulher. Que tal nos sentirmos livres e sem culpa para essa decisão?


Juliana Furlan Bovo
Advogada
jbovo@adv.oabsp.org.br 

3 comentários:

  1. lindo seu trabalho informação...dedicação e muito bom gosto....adorei.

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  2. Obrigada pelas palavras ADOLETÁ. Se tiver algum assunto do seu interesse, por favor sugira, para que essa troca seja cada mais melhor. Abraço!

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  3. Obrigada, Adoletá!!!!! Fique a vontade... Bjos

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